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Debaixo Da Língua

Debaixo Da Língua

Marcados - parte 1 de L e J

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Onde estou?

 

Sinto-me perdido, está escuro, não vejo um palmo à minha frente… Estou arrepiado, de medo, de frio, de angústia, de solidão… Tento levantar-me, mas não consigo, escorrego neste chão viscoso.

 

Onde estou?

 

Esta pergunta não me sai da cabeça. Quero sair daqui, quero ser livre, quero ver luz. O que é isto? Algo me tocou ao de leve na perna, é aveludado, quente, peludo, viscoso…

 

Onde estou?

 

Visualizo um pequeno feixe de luz, rastejo rapidamente para o alcançar mas está a afastar-se. Caem gotas em cima de mim, fazem-me ficar gelado. Unhas cravam-se-me na espinha. Rastejo mais rápido.

 

Onde estou?

 

Vou conseguir alcançar a luz, sei que vou. Está quase, quase. Vejo um corpo a ser arrastado para perto da luz.

 

Onde estou?

 

Ouço gritos angustiantes, ouço gritos de sofrimento. Mas esta voz… eu conheço esta voz...  Mais gritos. Maria? É a Maria. Tento chamá-la, mas a voz não me sai do interior da garganta. Tento chamá-la, mais uma vez, mas de novo, nenhum som é produzido.

 

Onde estou?

 

Sinto um aperto na garganta. Mais gritos, mais angustia, mais escuridão. Estão a puxar-me os pés, tento cravar as unhas no chão mas não consigo. Suo, choro, grito… Continuam a puxar-me.

 

Onde estou?

 

 

Acordo, são 3h30. Que pesadelo horrível. Estou a suar por todos os lados. Tomo banho e depois volto a dormir.

 

 

O despertador volta a soar, todas as manhãs o mesmo. Enquanto desço as escadas do primeiro andar da minha casa sinto um aroma a bolo acabado de sair do forno. Sorrio ao ver a minha mãe a preparar o pequeno-almoço.

- Parabéns meu amor! – A minha mãe abraça-me intensamente assim que me vê.

Sinto um arrepio, é hoje… é o dia da minha despedida. A minha vida vai mudar para sempre.

 

 

Vou contar-vos a minha história. Estamos no ano 2099 e hoje é 20 de abril, o dia do meu inferno, o dia do meu 18º aniversário. No entanto, não estou feliz. Aos 16 anos somos chamados para o dia da Paz Mundial e no pulso é marcada a insígnia correspondente à nossa futura profissão. Eu recebi a insígnia do espaço, o que significa que o meu destino é defender a Terra numa estação espacial. Vou perder tudo, amigos, família, colegas… a minha vida vai mudar para sempre. Hoje é o dia que tenho de fazer as malas e partir, deixar a Terra para trás e vê-la do espaço. Para sempre.

 

 

- Olá Cris… Cris… Cristiano, estás bem? – Olho para a frente e vejo a Maria, com os seus enormes olhos verdes e as suas sardas a contemplarem o meu olhar.

- Estás bem? – Repete Maria.

- Sim, sim, estou. – Digo apressadamente.

Maria salta para os meus braços e dá-me os parabéns. Sinto o seu perfume floral a impregnar a minha roupa.

- Logo lanchamos juntos. – Afirma Maria.

- Maria, eu…

- Fica combinado, às 16 horas estou na porta da escola à tua espera. – Maria dá-me um beijo na face, sinto-me a ruborizar.

Vejo-a a abraçar as amigas e a entrar dentro da escola.

Porque é que a minha vida não é perfeita?

Eu sei a resposta.

Porque nas vidas perfeitas não há lugar para grandes segredos.

 

-L&J-